quarta-feira, 20 de abril de 2011

É tempo de pinhão!

A semente do Pinheiro-do-Paraná ou Pinheiro Brasileiro (Araucaria angustifolia) é chamada pinhão e concebida como fruto por muitas pessoas, inclusive, para meu espanto, pelo conceituado Harri Lorenzi em seu livro Árvores Brasileiras. Aprendi na Biologia que a Araucária, sendo uma planta da família das Gymnospermas, não dá frutos (Gymnos = nu, sperma = semente), sendo suas sementes nascidas diretamento no estróbilo (flor) feminino após a fecundação. Enfim, sistemática à parte, o pinhão é uma das maravilhas nativas do Brasil que nem todo mundo conhece ou acessa pelo motivo óbvio: só aparece do sul de Minas Gerais pra baixo, o que inclui São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

O pinhão é rico em proteínas, minerais e carboidratos. Alimenta e faz crescer, além de ter textura e sabor deliciosos. Gosto de pinhão é único, mas dá pra arriscar algo entre o milho verde e a mandioca com uma lembrança suave de essência de Pinus, quando as sementes estão mais jovens. Conheci o pinhão assado na brasa, com casca e tudo e descascado quente, numa noite muito fria de julho na zona rural de Urupema/SC. Depois descobri que se come cozido na água também, claro que não tem o mesmo charme e nem o mesmo sabor, mas também é muito bom.

Tem festa do pinhão pra tudo que é canto desse lado de baixo do trópico de capricórnio e ele é parte fundamental da dieta de milhões de pessoas, além de fazer bonito no turismo rural e regional. Minha amiga Mara da Pousada do Matutu, coleta os pinhões que caem todos os anos no imenso quintal e congela pra servir o ano todo sob a forma de farofa, purê, patê e molho para os diversos pratos vegetarianos que serve no restaurante da pousada. A história mais linda era a da brincadeira que fazia todos os anos com as crianças da pequena escola que ela mesma dirigia, encravada no Vale do Matutu: a corrida do pinhão. As crianças coletavam o máximo que conseguissem de pinhões e enchiam sacos, por equipe. A partir daí, separavam as sementes que conseguiam de acordo com comandos da professora. Assim, aprendiam a somar, subtrair, multiplicar e dividir. Faziam porcentagem. Uma parcela das sementes eram plantadas e estudava-se o ciclo biológico da planta, como brotava, como crescia. As que ficavam esquecidas morriam e secavam, dando às crianças a noção de cuidado, amor e responsabilidade. Replantadas, as sementes estudadas agora viravam arvores lindas que um dia iriam repor as que ficavam velhinhas e morriam ou as que por algum motivo tiveram que ser retiradas.

Agora é tempo de pinhão. Os pinhões mais novinhos estão a cair e em alguns lugares é possível coletá-los até meados de junho.

Pinhão é símbolo de tradição, de gente junta comemorando, se aquecendo nesses tempos em que o coração pede calor. É soberania alimentar, é semente do povo brasileiro. Viva!

P.s.: receitinhas de pinhão ficarão pro próximo post!

1º Encontro Brasileiro do Mercado de Produtos e Sementes Livres de Transgênicos

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Fim das sacolinhas em BH?

Minha opinião: muita lei pra pouca ética. Mas vale a leitura infomativa e reflexiva.

Lei que proíbe uso de sacolas plásticas entra em vigor em BH cercada de dúvidas
Flávia Ayer
Publicação: 18/04/2011 06:05

As sacolas plásticas entram, a partir desta segunda-feira, para a lista de produtos ilícitos em Belo Horizonte. Começa a valer, nesta segunda-feira, a Lei 9.529/2008, que determina a substituição dos modelos convencionais, à base de petróleo, pelos feitos de material biodegradável ou retornável. A medida promete mudar radicalmente os hábitos dos 2,3 milhões de moradores da capital e levanta uma pergunta que não quer calar: será que ela vai pegar? A dúvida se justifica por um gordo histórico de leis adormecidas no papel. Minas Gerais, se consideradas somente as normas estaduais, ganhou 660 novas regras apenas no período entre 2007 e 2010, que se somaram às mais de 12 mil já existentes.

Grande parte desse calhamaço de leis certamente passa em branco na vida da população, outra parcela é conhecida mas ignorada e um pequeno número cumprido à risca. Pisar em cocô de cachorro na rua desperta ódio em qualquer mortal, ainda mais ao saber que, além de ato de cidadania, recolher as fezes do animal é lei que não decolou na capital mineira. Os donos de cães em BH figuram também entre os que ignoram a norma que obriga o uso de focinheiras e coleiras pelos bichos de estimação, como é possível comprovar num passeio em pistas de cooper e parques da cidade. As letras da lei também ainda não foram capazes de equilibrar o conflito entre barulho e sossego em BH.

Mas, desrespeito total às regras é o que ocorre nas agências bancárias: 15 minutos é o tempo máximo determinado na capital para o atendimento ao cliente nas filas de bancos. Por outro lado, em meio à pilha de deveres e obrigações de um mundo do papel, há normas totalmente incorporadas ao dia a dia do cidadão. A saúde falou mais alto e o fumo saiu de vez dos ambientes coletivos públicos e privados. A batalha contra a obesidade também conseguiu transformar cardápio das cantinas dos colégios e a lei da merenda saudável barrou coxinhas, refrigerantes e balas dos lanches de estudantes mineiros. Motoristas usufruem, no Faixa Azul, do tempo adicional de 30 minutos acrescentados por lei em BH.
Resta saber agora em qual time a proibição das sacolas plásticas vai entrar. O secretário municipal de Serviços Urbanos, Pier Giorgio Senesi Filho, à frente da pasta que regulará a matéria, está confiante: “Essa lei já pegou. A população comprou a ideia e está imbuída da responsabilidade de transformar a cidade em exemplo para o mundo.” Ele promete que a determinação não vai empacar na falta de fiscais. “Estamos agregando essa competência à rotina dos fiscais de meio ambiente e aos de posturas das nove regionais. A multa inicial é de R$ 1 mil e a reincidência, de R$ 2 mil. Se houver persistência, o alvará de funcionamento e localização do empreendimento pode ser cassado”, ressalta.
Divergências

Se depender do aposentado Vander Cruz, de 65 anos, as sacolas plásticas não terão mais vez. Há cerca de três meses ele adotou e aprovou o modelo ecológico, de pano. “É melhor, porque evita que carreguemos muitas sacolas”, diz, durante compras no sacolão, no Bairro Nova Floresta, na Região Nordeste da capital. O gerente do estabelecimento, Eli Fernandes, também está preparado para as mudanças. “A partir de segunda vamos ter bacias para pesar as frutas, como era feito antigamente”, conta. O advogado Alcides Teixeira, de 66, vê problemas na nova norma. “O consumidor vai ter que pagar pela sacola plástica”, afirma, certo de que a lei só será cumprida com “mão pesada sobre comerciante”.

Para o presidente do Plastivida Instituto Sócio Ambiental dos Plásticos, que batalha pelo descarte responsável do produto, Miguel Bahiense, do ponto de vista ambiental a lei já nasce fadada ao fracasso. “Estudo inglês mostra que, na produção de sacolas de plástico comum é produzido menos gás carbônico do que na de alternativas. Pesquisa Ibope mostra que 75% dos consumidores preferem a sacola convencional e 100% deles a usam para acondicionar o lixo. A questão é garantir a qualidade das sacolas de plásticos e educar o consumidor a usar apenas o necessário”, afirma Bahiense. “Acredito que uma lei sai do papel quando tem embasamento técnico para isso e, nesse caso, a lei de BH não faz o menor sentido.”

A partir desta segunda-feira, consumidores na capital mineira deverão buscar soluções alternativas para carregar compras. Carrinhos, sacolas de pano, TNT, sisal e caixas são algumas das opções. Esquecidos podem recorrer às sacolas biodegradáveis, ao valor de R$ 0,19 cada. Feita à base de amido, ela se decompõe em 180 dias, enquanto o modelo convencional demora 400 anos. A lei das sacolas plásticas foi sancionada em 2008 pelo prefeito Fernando Pimental e é originária de projeto do vereador Arnaldo Godoy (PT).

Respeitadas

Lei Antifumo (nº 12.903)

Proíbe fumo em ambientes fechados de uso coletivo, públicos e privados em Minas Gerais

Lei da Merenda Saudável (nº 15.072)

Proíbe o fornecimento e comercialização de produtos e preparações com alto teor de caloria, gordura saturada, gordura trans, açúcar livre e sal ou com poucos nutrientes

Lei do Faixa Azul (nº9.372)

Altera a folha do Estacionamento Rotativo e permite segundo uso por período de 30 minutos adicionais

Desrespeitadas

Lei das focinheiras e correntes (nº 8.198)

Obriga o uso de focinheiras e correntes pelos cães que circulam com os donos nas ruas e praças de Belo Horizonte

Lei da fila de banco (nº7.617)

Determina o prazo máximo de 15 minutos para o atendimento de clientes em filas de bancos situados na capital

Lei do Silêncio (nº 9.505)

Dispõe sobre o controle de ruídos em BH e proíbe, por exemplo, sons que causem perturbação ao sossego ou ao bem-estar públicos

Lei das fezes de cães*

Obriga condutores de animais, em BH, a recolher fezes depositadas em local público. O recolhimento deve ser feito com saco de lixo e o material deve ser jogado na lixeira

Lei do Cardápio em Braile*

Obriga hotéis, restaurantes, lanchonetes, bares e similares a fornecer cardápio em Braile a cegos em BH

Lei do lixo e panfleto*

Proíbe jogar lixo e a distribuição de panfletos nas ruas e avenidas da capital
*Essas regras estão contidas no Código de Posturas (nº9.845)

Fonte: Estado de Minas. Clique aqui pra ler a matéria.

Enquanto isso no Brasil...

Governo fecha acordo sobre Código

Para pôr fim a impasse, margens degradadas dos rios terão proteção de 15 metros; as preservadas de desmatamento deverão se manter em 30 metros
15 de abril de 2011

 

Os ambientalistas e os ruralistas da Esplanada dos Ministérios fecharam na quinta-feira, 14, um acordo para negociar sem rachas internos a reforma do Código Florestal com o Congresso.
 
Na polêmica sobre as Áreas de Proteção Permanente (APPs), por exemplo, o Ministério do Meio Ambiente concordou em reduzir para 15 metros as APPs às margens já degradadas dos rios de até 10 metros de largura. Por sua vez, a Agricultura aceitou manter os 30 metros nas margens hoje preservadas do desmatamento.

Quem comandou a reunião que produziu o consenso técnico do Executivo foi o presidente da República em exercício, Michel Temer. "O governo tem de ter uma estratégia de diálogo com o Congresso", argumentou o ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, ao admitir que não seria possível negociar com ministros brigando entre si.

Os próprios aliados já vinham cobrando do governo que se acertasse internamente. Na semana passada, percebendo que havia "um conflito muito radicalizado" entre os vários ministérios envolvidos na polêmica e na iminência de uma derrota no Congresso, o PT deu um ultimato: "Só votamos o Código Florestal quando houver unidade no governo", disse o líder petista na Câmara, Paulo Teixeira (SP).

Reserva Legal. Além das APPs às margens dos rios, o governo também se entendeu com os produtores rurais em outro conflito. A Reserva Legal (parcela da propriedade que deve manter a vegetação nativa) não precisará ser averbada em cartório. A proposta é que este processo seja simplificado, bastando uma declaração ao órgão ambiental.

A preservação das encostas também foi revista pelo governo. O tema apavorava a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), que argumentava que o Código Florestal empurraria para a ilegalidade toda a produção nacional de café, uva e maçã. Pelo novo cálculo, ficarão preservados topos dos morros e encostas com inclinações acima de 45 graus, onde raramente se cultivam essas culturas.

Temer ponderou que era preciso fechar posições que servissem de parâmetro no diálogo com a base governista. O objetivo do consenso era garantir um marco regulatório que mantivesse intactas áreas hoje preservadas, ao mesmo tempo em que possibilitasse a recuperação de faixas degradadas, retirando os produtores rurais da ilegalidade.

"Agora temos o argumento técnico de que precisávamos para trabalhar a unidade da base", comemorou o líder Teixeira, ao informar que o PT destacou o deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) para negociar as polêmicas com os partidos da base aliada, em busca de um consenso político para votar o novo Código.

PROPOSTA POLÊMICA x ACORDO

Moratória
A ideia de dar uma moratória de cinco anos para quem desmatou, proposta pelo relator Aldo Rebelo, foi abandonada.

Desmate autorizado
Novas autorizações para corte de vegetação nativa têm apoio de ruralistas, parte dos ambientalistas, governo e entidades estaduais da área.

Área de Proteção Permanente (APP)
O relatório aprovado na Câmara reduziu pela metade, para 15 metros, a área de proteção às margens dos rios de até 10 metros de largura. Governo, ambientalistas e entidades estaduais defendem a manutenção da APP em 30 metros.

O acordo: Ministério do Meio Ambiente concordou em reduzir para 15 metros as APPs às margens já degradadas dos rios de até 10 metros de largura. Por sua vez, a Agricultura aceitou manter os 30 metros nas margens hoje preservadas do desmatamento
Direito de não recompor

A dispensa da recuperação da reserva legal em áreas de até 4 módulos fiscais é a maior polêmica no texto. O relator Aldo Rebelo mantém a proposta, com apoio de ruralistas.

Mais pontos de acordo:
A Reserva Legal (parcela da propriedade que deve manter a vegetação nativa) não precisará ser averbada em cartório. A proposta é que este processo seja simplificado, bastando uma declaração ao órgão ambiental.

A preservação das encostas também foi revista pelo governo, para proteger a produção nacional de café, uva e maçã.

Fonte: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110415/not_imp706488,0.php

P.s.: Apesar de ser notícia do Estadão, considerei razoavelmente neutra, menos tendenciosa que o usual... :)




segunda-feira, 11 de abril de 2011

Campanha Nacional contra o uso de agrotóxicos



Enquanto se discutem as mudanças no Código Florestal (Lei Federal 4.771/65), continuamos a conviver com a triste realidade da guerra diária pela alimentação de qualidade. Tive a alegria de estar com amig@s querid@s no Rio, neste fim de semana, de tomar deliciosos sucos, comer coisinhas nordestinas maravilhosas, sabendo da procedência orgânica dos produtos. Sim, eles são, assim como eu, preocupad@s com o que comem, bebem, vestem, falam... Quando chego a Taubaté, de volta de lindos dias, a dificuldade de obter alimentos do bem volta junto. Isso aqui tem sido uma labuta!

Enfim, dando uma espiada nos blogs que sigo, achei uma notícia que me pareceu boa, inicialmente. Foi lançada a Campanha Nacional contra o uso de agrotóxicos no Brasil. Inicialmente, eu disse, e me explico: atuando dentro de um órgão ambiental, do governo, vejo que a guerra sangrenta ruralista x ambientalista está longe de terminar. De cada lado, interesses muitas vezes obscuros e pouco éticos. Dinheiro, poder, dinheiro, poder... egoísmo, desligamento do sagrado (em sua mais natural tradução), ignorância, preguiça de pensar, preguiça de agir, hedonismo exagerado, imediatismo. Todos os dias observo, consternada (às vezes nem tanto) as ações e reações de muitas pessoas que são, além de profissionais de extensão, especialistas ambientais, produtores, diretores de empresas e órgão públicos, pessoas! Pessoas humanas, perdidas nesse mundão... Difícil saber que rumo vai tomar essa campanha. Mas a esperança cutuca o tempo todo e eu gosto!

Pesquisando, também descobri um blog da campanha, onde há informações interessantes sobre o tema: http://mpacontraagrotoxicos.wordpress.com/
O link do Blog Em Pratos limpos, onde está o que li de primeira, você pode acessar aqui.

A publicação original está no Site da FioCruz (onde, por acaso já trabalhei) e copio aqui da forma em que se apresenta. De qualquer forma, o link para a chamada você acessa aqui.

08/04/2011

Lançada campanha nacional permanente contra o uso de agrotóxicos

Raquel Júnia - Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio - EPSJV/Fiocruz

Movimentos sociais e pesquisadores afirmam que é possível e urgente produzir sem venenos que afetam a saúde humana e do meio ambiente

Suco de frutas, verduras, legumes, cereais. Alimentação saudável? Nem sempre. Lançada nesta semana, no Dia Mundial da Saúde (7 de abril), a Campanha permanente contra o uso de agrotóxicos e pela vida pretende alertar que o veneno usado nos cultivos agrícolas brasileiros prejudica muito a saúde das pessoas e do meio ambiente. De acordo com a organização da campanha, com os atuais níveis de utilização de agrotóxicos, cada brasileiro consome em média 5,2 kg de veneno por ano e o Brasil foi considerado em 2009, segundo o sindicato dos próprios produtores de defensivos agrícolas, o maior consumidor destas substâncias pelo segundo ano consecutivo. A campanha é organizada por mais de 20 entidades e movimentos sociais, que pretendem realizar atividades em todo o país para conscientizar sobre a necessidade de outro modelo de produção agrícola, sem utilização de veneno e baseado no respeito aos direitos humanos e ao meio ambiente, para aí, sim, produzir alimentos verdadeiramente saudáveis.
A campanha escolheu o Dia Mundial da Saúde para lançar oficialmente as atividades. Mas, mesmo antes da data, seminários, palestras e outros eventos tiveram como tema o prejuízo dos agrotóxicos à saúde. Em Brasília, uma passeata contra o uso de agrotóxicos e em defesa do código florestal reuniu mais de duas mil pessoas. A atividade fez parte da Jornada contra o Uso de Agrotóxicos, em Defesa do Código Florestal e pela Reforma Agrária, realizada nos dias 6 e 7 de abril. O professor do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade de Brasília, Fernando Carneiro, presente nas atividades da jornada, conta que os eventos foram lotados. Para ele, lançar a campanha no Dia Mundial da Saúde é muito simbólico. “Quando se fala de saúde da nossa população sempre se associa à fila de hospitais, mas hoje [7 de abril] foi uma manhã histórica porque estávamos discutindo verdadeiramente o conceito ampliado de saúde, discutindo o modelo agrícola brasileiro, o que este modelo tem gerado em termos de impacto às populações e as dificuldades do próprio sistema de saúde em notificar os problemas decorrentes do uso de agrotóxicos”, detalha.
O professor explica porque as lutas contra o uso de venenos na agricultura e em defesa do código florestal são convergentes. “A bancada ruralista quer alterar a legislação para liberalizar os agrotóxicos. No código florestal, vemos o mesmo movimento. E quem está por trás destas duas articulações é o próprio agronegócio: querem desmatar mais áreas e querem ter isenção de impostos para agrotóxicos. Além disso, os temas se relacionam porque à medida que se limita a proteção das nascentes com a mudança no código florestal, por outro lado, se facilita a contaminação da água pelos próprios agrotóxicos. Então, são temas com interação muito grande, que significam ameaça à biodiversidade, à qualidade da água, elementos vitais para o nosso país”, diz.
Para a coordenadora do Sistema Nacional de Informações Toxico Farmacológicas (Sinitox), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Rosany Bochner, é necessário negar totalmente o uso dos agrotóxicos devido aos prejuízos que tem causado à saúde. “É preciso deixar claro que o que queremos com a campanha não é usar produtos menos tóxicos, não é nada paliativo. Nós não queremos mais agrotóxicos de nenhuma forma. É uma mudança de filosofia, temos que partir para produzir diversidade. Vamos ter que comer diferente, que fazer muita coisa e não depende só do agricultor, depende também da população, porque do jeito que está não é possível mais ficar”, reforça. Rosany, que também é consultora da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), participou, junto à EPSJV/Fiocruz e a Via Campesina, de um seminário na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) sobre os impactos dos agrotóxicos.
No dia 7 de abril, também foram realizadas atividades no Espírito Santo, Pernambuco, São Paulo, Minas Gerais, Sergipe e Goiás. Em Limoeiro do Norte, no Ceará, nos dias 19 e 20 de abril, serão realizadas várias mobilizações contra o uso de agrotóxicos e em protesto pela impunidade do assassinato do líder comunitário José Maria Filho, conhecido como Zé Maria do Tomé, que denunciou os impactos dos agrotóxicos na região. No dia 21 de abril faz um ano que o agricultor foi assassinado próximo de casa e as investigações, até o momento, não apontaram os autores do crime.
Também no Dia Mundial da Saúde, na Câmara Federal, uma subcomissão especial criada para avaliar as conseqüências do uso de agrotóxicos para o país realizou uma audiência pública sobre o tema com a presença da Anvisa, do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e da Confederação Nacional de Agricultura (CNA), órgão favorável ao uso dos venenos nos cultivos. De acordo com a Agência Câmara, Anvisa e MPA divergiram radicalmente do representante da CNA. “Enquanto a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) defendeu a modernização do uso desses insumos, um representante da Anvisa e uma deputada apontaram os efeitos negativos para a saúde humana. Já o representante dos pequenos agricultores defendeu o fim do uso dos agrotóxicos”, informou a Agência Câmara.

Riscos à saúde
O material da campanha alerta que os agrotóxicos causam uma série de doenças como câncer, problemas hormonais, problema neurológicos, má formação do feto, depressão, doenças de pele, problemas de rim, diarréia, entre outras. Recentemente, uma pesquisa da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul detectou a presença de agrotóxicos no leite materno. “Diante de tantas evidências de problemas, não há mais o que discutir. Este leite envenenado é muito grave, não dá mais para ter meio termo. Sabemos que é uma luta de Davi contra Golias, porque são empresas extremamente poderosas [as empresas produtoras de agrotóxicos]. Mas eu queria saber se eles comem estes produtos cheios de agrotóxicos”, questiona Rosany.
Além da proibição definitiva do uso de venenos, a campanha afirma ainda que a saída para uma alimentação saudável e diversificada está no fortalecimento da agricultura familiar e camponesa. Para isso, propõe uma série de ações, como a reforma agrária para acabar com os latifúndios, o fim do desmatamento, a geração de trabalho e renda para a população rural, o uso de novas tecnologias para acabar com a utilização de agrotóxicos e a produção baseada na agroecologia .

De acordo com Rosany, a Anvisa está muito disposta a discutir o uso destes produtos tóxicos, entretanto, existe uma resistência de setores do próprio governo e do legislativo. “Tem uma bancada ruralista que quer liberar a todo custo os agrotóxicos”, pontua. A pesquisadora destaca também as dificuldades de informação sobre os riscos de agrotóxicos no sistema de saúde. “Não estamos acostumados a trabalhar com casos crônicos, as redes de saúde não conseguem relacionar os sintomas com a exposição aos agrotóxicos, dificilmente as pessoas fazem essa relação e isso dificulta muito na hora da discussão porque eles [os defensores do uso de agrotóxicos] falam que não temos evidências. Temos que fazer um esforço maior nisso, fazer um treinamento melhor nos serviços de saúde, mas é preciso investimento”, afirma.
Para Fernando Carneiro, o Ministério da Saúde ainda é muito omisso em relação ao enfrentamento do problema de identificação das intoxicações, tanto no campo da saúde do trabalhador, quanto da saúde ambiental. “Eu quero que o Ministério da Saúde faça campanha sobre os riscos dos agrotóxicos. Como faz com a campanha contra a Aids, pelo uso da camisinha. O Ministério poderia investir também para fazer cartilhas e difundir informações sobre os riscos dos agrotóxicos. Hoje, o único setor que faz propaganda é o próprio agronegócio, para fazer apologia ao uso”, alerta.